segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Vegetal

Num dia destes em que se procura algo para pensar, que desvie os pensamentos dos infortúnios que nos cercam, estava eu olhando o jardim. Imaginei qual daquelas plantas alí se parecia comigo.
Olhei os pés de alegria de jardim com suas flores vermelhas, algumas sem folhas, pois as formigas as andaram levando, mas não me identifiquei. Nem com e nem sem folhas. Na fileira de marias sem vergonha, judiadas pelo calor e um pouco desanimadas, não vi nada em comum a não ser o semblante acabrunhado.
Ao ver a romãzeira, esta tranqüila, pois vive mais de cem anos me deu uma certa angústia. Lembrei que me vou um dia e ela vai ficar dando seus frutos. Mas este sentimento egoísta me envergonhou.
As uvas miúdas, mas muito doces que reparto com o Pank a cada vez que colho com certeza não refletem meu ser. Assim como a palmeira alta e esbelta. Aliás, nunca vou parecer uma palmeira, ainda mais esbelta.
Olho a pitangueira e viajo aos tempos de criança, quando morando no interior de Itati, passava as tardes colhendo seus frutos e tomando banhos de sanga. Sem dúvida me encontrei nesta planta, como um marco de meu passado, mas hoje em dia não me identificaria nela. Bananeira? Não, nem com e nem sem cacho.
Vi o pé de cidró e notei que vários de seus galhos, aqueles que ficam para o lado da rua estão quebrados por quem quer levar seu chá pra casa.
Olhando o orégano observei que este também passa por um revés: uma touceira de erva daninha cresceu junto a ele e o sufoca quase o escondendo.
Aquelas cicatrizes do cidró com seus galhos quebrados parecem feridas numa alma dolorida e sofredora. Aquelas mãos que avançam pela tela para levar sua folhas me parecem como monstros a atormentar com seus tentáculos.
O sufoco pelo qual passa o orégano, mal conseguindo respirar sob a inclemência do mato que lhe cobre, se parece com uma vida, a sofrer com pressões e muitas vezes sem uma luz para clarear o caminho.
Uma alma ferida, cicatrizes, sonhos partidos, galhos quebrados, feridas expostas, um corpo cansado e oprimido parecendo não conseguir levar o peso que tem sobre seus ombros.
Mas mesmo nesta situação o cidró continua a crescer agora mais para o outro lado onde quem passa na rua não alcance seus galhos, e mesmo tendo um lado ferido não desiste de brindar-me com suas folhas. E, numa luta exemplar para cada galho que foi quebrado nascem vários brotos novos.
O orégano também em sua bendita teimosia de continuar existindo conseguiu soltar alguns raminhos por entre a touceira de mato, com seu aroma inconfundível.
Minha luta tem sido por vezes desigual. E nestas duas plantas vi semelhanças com o que tenho vivenciado. Porém não quero me espelhar nelas somente em seus sofrimentos. Quero que seu espírito de luta continue me contagiando.
Portanto quero me ver como o cidró que para cada galho que lhe quebram nasce outro que o deixa mais forte.
E no orégano que quando tudo parecia perdido conseguiu em meio às trevas um estreito caminho para crescer e alcançar a luz do sol.
Continuei andando pelo jardim, olhando a hortelã, a salsa, a cebolinha, a alfazema, o manjericão...
Acho que me inspirei, esta noite merece uma bela... Pizza.

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Um comentário:

  1. "Portanto quero me ver como o cidró que para cada galho que lhe quebram nasce outro que o deixa mais forte."

    Disse tudo...eu também penso assim.

    Belo texto, parabéns!

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